É admirável como um idioma ganha uma vida tão própria quando vive para lá da sua origem!
No Brasil ganhou a doçura da cana de açúcar, a xico-espertice da cachaça e o som de um choro que é feliz porque sabe que tudo vai acabar bem. Onde o português continental é fado e tragédia, o português do Brasil é samba e bossa nova.
Já em Cabo Verde, o português reduziu-se como um molho que apenas retém as melhores substâncias. Ficou mais terno porque adicionou à nossa tristeza inexplicável e ao nosso saudosismo de tempos que nunca chegámos a viver um tempero de doçura resignada de quem olha em volta e se sente frágil e só, perdido à deriva no Atlântico.
Em Angola, o português manteve a sua aspereza original e ganhou uma nova truculência ao som dos batuques subsarianos e das especiarias, culminando num cozinhado que tem tanto de sensual como de explosão furiosa.
Pior ficou o português falado em França. Não se conseguiu adaptar às curvas e contra-curvas da sonoridade francófona nem à panache que lhe é tão característica e acabou por se afogar numa caldeirada onde não se distinguem os diferentes tipos de peixe porque sabem todos ao mesmo.
Mas, ao ouvir uma alemã a falar português, a língua transforma-se de forma mais radical. Parece que o idioma cresceu, atingiu a maturidade e encontrou um caminho para sair da floresta, da praia, da paisagem selvagem e bucólica onde sempre habitou, para atingir finalmente a sofisticação europeia que sempre renegámos mas que invejamos com igual fervor. Soa-nos estranho de início esse som mas, tal como na ópera, a educação é rápida e fatal; e o ouvido português parece estar preparado para aceitar qualquer som e adoptá-lo como seu.
Para quem está habituado a estar no extremo oposto, o de falar vários idiomas com a sonoridade portuguesa não deixa de ser uma experiência interessante virar o bico ao prego e ouvir a nossa pátria pela boca dos outros.
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