domingo, 28 de março de 2010

Fui surpreendido por uma palavra:




À primeira vista, Gelotologia poderia ser a ciência que estuda a formação de gelo ou que estuda as capotas polares ou até uma disciplina culinária que abordasse a confecção de gelados. Só que não é nada disso.

Podia também ser a ciência que estuda o Gelo, ou seja, uma ciência dedicada à minha pessoa, às minhas idiossincrasias, aos meus predicados, atitude e temperamento.
Também não tenho direito a esse momento de narcisismo, mas a coincidência gramatical dos termos não deixa de ser uma feliz coincidência!

Gelotologia é o nome dado ao estudo do humor, do riso e dos seus efeitos psicológicos e fisiológicos no corpo humano (de acordo com a Wikipédia, pelo menos).

E a contradição aparente de um Gelo gelado e de um humor quente ficam bem como um crepe de chocolate quente com uma bola de gelado de baunilha.
Reconheci-me nessa coincidência, cuja raiz etimológica desconheço mas com a qual me sinto identificado, por ter uma atitude Kaufmanesca (Andy Kaufman) perante o humor – o humor existe em tudo e em todas as situações – ou como eu gosto de dizer, a ausência de humor é, por si só, hilariante.

Porque me afirmo lato no que à abrangência humorística diz respeito, permitam-me divagar um pouco sobre a função do humor. Para que serves t’humor?

Nem todo o humor tem a gargalhada, a risada ou o sorriso como finalidade. Aliás, ainda não se sabe muito bem qual a função psicossomática do humor ou sequer o seu papel de forma objectiva e definitiva. Digo definitiva, porque vários foram os pensadores que lhe dedicaram algum tempo, desde Aristóteles a Kant. Até Freud o fez, provavelmente no intervalo de algum devaneio sexual. Contudo, nenhum chegou a uma teoria definitiva e consensual sobre a razão pela qual utilizamos o humor com tanta assuidade e em tantas circunstâncias, preferindo analisá-lo dentro das suas áreas de especialidade.

Do ponto de vista de quem o utiliza, o humor pode ter uma intenção destrutiva, achincalhadora, pertubardora, ou uma faceta insinuante, escarnecedora e maquiavélica, diametralmente oposta à intenção positiva que habitualmente lhe conferimos. Ninguém acharia graça a uma tirada inteligente se essa tirada fosse lançada por alguém que nos estivesse a perfurar um braço com uma broca de 14 milímetros. Mas se observássemos essa cena num filme, a reacção seria diferente. Para a maioria, pelo menos...

Após algum tempo a pensar neste assunto, apercebi-me de quão difícil é determinar um conceito que muda consoante o sujeito, a perspectiva, a cultura, o tipo, a função, a disposição, a causa e a consequência. O humor está de tal maneira enraízado em tudo que, para o definir, quase que teríamos que definir a estrutura do próprio universo. Não vou tentar, por isso, encontrar uma definição única e verosímel. Vou antes analisar o humor enquanto mensagem e enquadrando-o na perspectiva do emissor e do receptor dessa mensagem.

Imaginemos que vemos um filme e que um assassino está a avançar subrepticiamente até à sua vítima e esta está completamente alheia ao perigo em que se encontra. No preciso momento em que está prestes a esfaquear a vítima o assassino tropeça, cai sobre a faca e morre, sem que a pretensa vítima se aperceba e por isso segue a sua vidinha descontraída. Esta é uma situação com o potencial de provocar sorrisos amarelos, uma gargalhada ou, pelo contrário, pode fazer com que alguém vire a cara para o lado devido à violência da cena.

Imaginemos que alguém faz uma piada “de mau gosto” sobre nós e toda a gente se ri menos nós, naturalmente.

Imaginemos que fazemos um cartoon com um preservativo no nariz do Papa. Algumas pessoas acham isso hilariante, outras iniciam uma luta contra a ignomínia anti-religiosa.

Porquê este comportamento diferenciado para uma mensagem que é igual para todos? Será que a mensagem é igual para todos?

Isto acontece porque o humor não é mais do que uma forma de comunicar e a comunicação envolve sempre dois intervenientes, o emissor e o receptor que nem sempre estão na mesma “largura de banda”. A “largura de banda” é o contexto onde a mensagem se enquadra e que lhe dá matiz. Sem esse contexto, a mensagem não passaria de um conjunto de palavras ocas, sem significado, como se estivéssemos a fazer scrabble de um conjunto de letras que, juntas, têm um significado que não é maior que a soma das partes.

Imaginemos agora que eu envio uma carta à Zon a reclamar pelo péssimo serviço que me estão a prestar com a televisão por cabo, queixando-me de perda de sinal e de tempo de espera inadequado na linha telefónica para assistência. Quem for ler a carta, mesmo não sabendo se estou a ser sincero ou não, ou não sabendo que razões efectivas dão lugar à minha insatisfação, está inteirada do contexto da mensagem. Percebe que sou cliente, que estou insatisfeito e porque motivos. Depois, pode pegar na carta e deitá-la no lixo, mas a mensagem surtiu efeito no que diz respeito ao entendimento que se fez das palavras.

O pormenor que torna a comunicação por via do humor tão complicada resulta de existirem não um mas dois contextos e frequentemente serem diferentes. O receptor e o emissor têm, cada um, um contexto que passa pelo seu nível cultural, pela sua idade, pela sua nacionalidade, pelo seu grupo de influência e pela forma como se relaciona com esse grupo... entre dezenas de outros factores! É por esse motivo que a mensagem que o receptor envia, por vezes chega deturpada no receptor, sem que o seu conteúdo tenha sido realmente alterado. A diferença encontra-se no contexto do receptor, que produz uma interpretação da mensagem diferente da que pretendia o emissor. Funciona um pouco à imagem do jogo do telefone, em que se vai dizendo ao ouvido da pessoa ao nosso lado uma determinada palavra, que vai sendo repetida de pessoa para pessoa e quando o último elo da cadeia a tiver que repetir diz algo completamente diferente. Só que aqui não é o som que é distorcido, é a intenção percebida ou até a incompreensão total da mensagem, por falta de contexto. Um bom exemplo do que escrevo é o sketch dos Monty Python sobre a piada mais engraçada do mundo, que acabou com a 2ª guerra mundial e que fazia com que qualquer um que a lesse ou ouvisse morresse instantaneamente (para quem não sabe do que estou a falar). A piada não funcionaria em inglês mas quando a traduziram para alemão... foi uma espécie de blitzkrieg.

É por causa destes contextos diferenciados que o humor é uma coisa difícil de se fazer, mas é por isso também que nós acabamos por admirar quem o faz bem feito... even when the joke is on you.

4 comentários:

Beatriz Lamas Oliveira disse...

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Sparkle disse...

Não há, mas bem que devia haver uma ciência que te estudasse :)
Belo exercício.

Gelo disse...

Isso não seria uma ciência... seria uma religião :))))))))))

Sparkle disse...

Uma seita!!! chamada os cubos (de gelo, já estavas a pensar que te estava a chamar quadrado?) :)