sábado, 21 de maio de 2011

Sopa de letras contra a crise


Dai-me sopa, senhor,
Sopa de letras!
A sopa da pedra escura, dura e bruta
já não enche como outrora
a promessa de ir mais além.
E cada pegada paga
sedimentou a imobilidade
desta nossa alma aziaga.
Educai-me p’lo estômago senhor,
dai-me sopa,
mas sopa de letras!
E um naco de pão.

Saboreai vós as estrelas
e o futuro por elas ditado
no fundo do prato.
Que a panela é vossa, senhor, sei-o bem...
Mas o suor do caldo é o meu
e nele pescarei palavras naufragadas
e, à tona, ungidas de azeite,
soarão como a extrema unção
da minha fome.

Dai-me sopa senhor,
sopa de letras!
E um naco de pão.

Letras pobres e tristes
- deixai-mas!
Mais às que colocaste na borda do prato,
agora verdadeiramente mudas.
Proscritas.

Desgovernada vai a fome
- como vós, senhor! -,
acorda-me o estômago,
em fúria.
Dai-me letras senhor,
mas não mas sopreis ao ouvido.
Afogai-as na sopa,
que eu faço do pão, jangada,
do suor, sal,
da vontade, vento,
das palavras, bandeira,
e da alma, alma!
E mais não é preciso
que um mundo redondo
e um mar sem fim
para se fazer Portugal.

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