sábado, 31 de julho de 2010

Reset

Só há uma forma de conseguirmos um vislumbre que seja sobre a essência de outra pessoa. É preciso limpar a mente de todos os nossos valores, ideias, preconceitos, sentimentos e capacidade computacional. É preciso eliminar aquelas pequenas rotinas insidiosas que se insinuam constantemente e que fazem parte do nosso sistema operativo. São inconscientes, mecânicas, automáticas e recorrentes. Norteiam as bases da nossa intuição e são rotinas de análise e detecção de padrões visuais, de cheiros, de sensações tais como "está frio, está calor" que, antes de serem vocalizadas, já produziram o seu efeito.

É preciso desligar a máquina que nos torna Humanos.

É esta a grande ironia da Humanidade, enquanto adjectivo. É necessário contrariarmos a nossa humanidade, talvez fosse mais correcto chamá-la de individualidade, para percebermos o outro. Livres do nosso próprio lastro, da nossa experiência, podemos partir para o outro ser completamente desprovidos de tudo e mimetizar os seus pensamentos, emoções e acções, como forma de recolha sensorial. Na medida do possível, tentamos tornar-nos um clone do nosso objecto de observação e tentamos senti-lo em primeira mão.

Naturalmente que este processo não é isento de erros, ante pelo contrário, é pródigo neles, mas é a melhor aproximação que podemos almejar conseguir.

Nada disto é novo, nem original. O nosso processo de aprendizagem passa muito pela tentativa-erro e o que proponho não é mais do que reutilizar esse processo num ambiente virgem e não num ambiente contaminado pela nossa individualidade.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Galp devia ser glup

Galp devia mudar o seu nome para glup, de acordo com a vergonha que deveriam estar a sentir os seus administradores. Mas como não estão envergonhados o nome mantém-se e os administradores políticos continuam a auferir os seus salários chorudos em cargos nomeados pelo Governo, enquanto pedem contenção aos sindicatos e negam aumentos aos empregados. E pornograficamente recebem os seus bónus porque atingiram os objectivos de lucro. Naturalmente os empregados não tiveram nada a ver com isso...

E ainda falam da mancha de petróleo provocada pela BP nos EUA... aqui esta mancha dura há anos e mantém-se viscosa como sempre.

Antes, há cerca de um ano, quando os preços do combustível aumentavam ao ritmo dos especuladores mas diminuia a um ritmo inferior aos acertos do mercado, roubaram de forma legal todos os seus clientes sem que o Estado se preocupasse realmente com a situação.

Por isso, senhores fornecedores da Galp, preocupem-se! Se isto tocar a todos, vós sois os próximos.

A grande questão é: porque é que o estado não se preocupa com esta situação? Não se preocupa porque o Estado é constituído pelas elites que amanhã irão ocupar esses cargos. Elites por influência, não por valor ou conhecimento, como é o caso de (quase) todos os detentores de cargos políticos em empresas.

No fundo, onde há petróleo, se nos distanciarmos suficientemente dos pormenores, poderemos ver que nada muda há séculos. Agora, tal como antes, independentemente do regime, há uns poucos que se alimentam dos outros todos e vivem bem com isso. Os do petróleo só estão mais sujos.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

IURD, retroescavadoras e um ensaio sobre a cegueira


Um pobre diabo, completamente transtornado, entrou com uma retroescavadora pelas paredes da Iurd de Faro a dentro mas não conseguiu apanhar nenhum pastor ou agiota, ou lá como se chamam os "padres" daquela seita, acabando por destruir apenas uma porta e a parede envolvente, talvez ainda algumas cadeiras e quiçá algumas molduras penduradas na parede para adoração, com fotografias de notas de 500 euros.

O pobre homem, que tinha sido estropiado de tudo por essa organização, decidiu demonstrar a sua fúria contra as paredes do edifício, já que ninguém pode tocar nos alicerces de uma organização que, sendo moralmente criminosa, não o é aos olhos da Lei... ainda que eu desconfie que a Lei também está de olhos vendados de forma propositada, principalmente o ramo fiscal da Lei. Adiante...

Agora, para lá da desgraça em que se encontrava antes de recorrer à IURD e à desgraça em que se encontra depois de recorrer à IURD, ainda vai ter que levar com um processo em cima, porque a Justiça é cega. Cega, porque se deixa cegar. É bem sabido que as notas têm um produto químico que causa cegueira...

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Génio - profissão: pastor de estrelas

Sempre nutri uma simpatia pela figura do génio, especialmente do excêntrico, cujo expoente máximo foi Einstein e a sua fotografia com o cabelo em pé e a língua de fora.

Os "génios" são elementos aglutinadores na História da Humanidade. Quais buracos negros dos quais matéria alguma escapa, parecem exercer uma força gravitacional irresistível que atrai os seus contemporâneos, os seus sucessores e até os próprios eventos que moldaram a nossa História, para o seu interior. Porventura é mais fácil imaginar a História mapeada como se fora um céu estrelado que, olhado por baixo, revelaria os génios como sendo os planetas e os acontecimentos importantes as estrelas, ambos pequenos alfinetes luminosos na malha da realidade, mas aqueles que se conseguem identificar de imediato e que sobressaem da bruma que envolve tudo o resto.

Não deixa de ser curioso porém que, para manter essa comparação, se esteja a cair em contradição, dado que a corrente científica mais respeitada na actualidade indica que as galáxias se estão a afastar cada vez mais e os cientistas e as correntes científicas, pelo contrário, se estão a concentrar. Na antiguidade, a genialidade era uma expressão que resultava mais do isolamento, do individualismo e da subtracção. Era o resultado de uma mente brilhante, muito acima dos seus contemporâneos que trilhava sozinho um determinado caminho. Hoje em dia, a especialização continua (e continuará) a existir mas também se começa a assistir ao movimento contrário, à generalização, combinando diversos ramos da ciência e unificando-os numa única teoria que satisfaz as necessidades de todos.

A compreensão da nossa realidade passa por juntar essas peças recortadas pela especialização, combiná-las de forma adequada e conseguir perceber a lógica de tudo o que nos rodeia, visível ou invisível.

Estas correntes, estas forças dinâmicas, atravessam os povos, as culturas, as ideologias, as economias, as epistemologias; invadem-nas, perfuram-nas, incorporam-se nelas e extravasam os limites da sua origem, reflectindo-se de várias formas nas fibras que compõem a nossa realidade. Podemos observá-lo no crescimento das redes sociais, na cooperação virtual, no crescimento incomensurável da informação, do conhecimento, da visibilidade em tempo real; também na importância crescente do papel dos recursos humanos nas organizações, na obsessão pela qualidade, no crescimento das capacidades de liderança, no pensamento estratégico e no pensamento científico; ainda no ambientalismo emergente, na evolução da religiosidade para a espiritualidade, nos produtos, na indústria e no lazer.

Tudo está a evoluir. Tudo está a crescer de forma cada vez mais integrada. Os ramos que se vão diversificando encontram novos pontos de contacto, por vezes distintos das próprias raízes. Uma das teorias recentes, indica até que o conhecimento vai continuar a crescer infinitamente até o fim dos tempos, venha ele como vier.

Qual o papel dos génios agora?
O mesmo de sempre.
Não deixar que se apague o brilho das estrelas.

terça-feira, 6 de julho de 2010

O Fixe

Este post deve a sua existência a um amigo meu que me disse que eu o faria ainda antes de eu pensar nisso. Como tal, aqui está o dito, ainda que de forma muito tardia e num contexto absolutamente diferente do esperado :).

Quem é "O Fixe"?

"O Fixe" é aquele indivíduo de quem toda a gente gosta, mas não o suficiente. É uma pessoa que não é líder de grupo mas que tem alguma coisa de que se gosta; ou porque é engraçado, ou porque está disponível, ou porque é bem disposto, ou porque cria boa disposição, ou porque tem um feitio particular que o diferencia dos outros e que, em dadas circunstâncias, o tornam alguém interessante ou de confiança ou apenas porque é alguém que não leva a mal qualquer tipo de brincadeira ou que alinha em qualquer tipo de iniciativa, tornando-se por isso uma vítima preferencial.

"O Fixe" é alguém de quem nos lembramos logo a seguir aos melhores amigos, mas antes dos apenas conhecidos. É alguém a quem somos capazes de telefonar para um jantar a 8 quando ainda só temos sete e precisamos de alguém e já tentámos aqueles que estão mais próximos. É alguém a quem pediríamos o seu guarda-chuva para nos abrigarmos, mesmo que esse alguém ficasse à chuva... provavelmente "O Fixe" passaria pela chuva sem se molhar, transformando-se em apenas mais uma gota, pensaríamos nós... ou num registo mais corriqueiro: "ele não se importa" ou "ele está habituado".

Por isso, "O Fixe" é a vítima preferencial de exploração. Ele não gosta de ser explorado, mas quer sentir-se integrado e esforça-se por isso, sujeitando-se muitas vezes às diatribes dos outros... e às desconsiderações. Costuma ser o primeiro a ajudar, o primeiro a perguntar, o primeiro a oferecer e o primeiro a dar, porque não é egoísta e porque pensa que há um momento para dar e outro para receber e alguém tem que tomar a iniciativa, passar a ponte para o outro lado. Naturalmente, fica à espera que acabem por voltar juntos dessa ponte, em comunhão amistosa e num plano de igualdade, não porque o que se dá e o que se recebe tenha que ser medido e tenha que ser quantificado de igual modo, apenas porque "O Fixe" pensa que a reciprocidade é a única forma saudável de existência. É também por isso que quando o "Fixe" recebe alguma coisa, fica em pulgas para retribuir.

"O Fixe" não é, nunca, a primeira opção. Por isso, "Fixe" acaba por ser uma metáfora. Tal como "simpática" num contexto machista ou sexista. É alguém que apreciamos o suficiente mas não o bastante e, por isso, acaba por se tornar alguém que navega nas franjas dos grupos sociais, muitas vezes sem pertencer de facto a lado algum.

Os filmes americanos e a cultura anglo-saxónica utilizam muito um conceito semelhante, o do "underdog", mas com uma variante: o "underdog" é um "Fixe" que, em dado momento, consegue atingir alguma notoriedade, porque demonstrou ser melhor que os outros em alguma coisa. Só que nesse preciso momento deixa de ser "underdog". Enquanto "underdog" pode ser tolerado, mas nunca reconhecido.

Eu gosto de "Fixes". Às vezes sou um.

Já agora, o "Fixe" a que o meu amigo se refere é um empregado de mesa que nos serviu um destes dias. Num jantar onde quase tudo correu mal ao tipo, porque se esqueceu de alguns pratos, porque trocava os pratos, porque se enganou na mesa atribuída, porque entretanto vinha a responsável ver o que é que se passava, entre outras peripécias que já se perderam da memória, acabou por tentar ser mais simpático e prestável do que era exigido, por exemplo, dizendo que depois compensava e que se esqueceria de colocar os cafés na conta, contando a história da sua vida até à exaustão, não me refiro à exaustão do tema, mas à exaustão da paciência do meu amigo. Neste caso o "Fixe" foi um papel desempenhado pelo empregado de mesa, para tentar apagar a sua inexperiência e o mau serviço que daí resultou e nada tem a ver com o outro "Fixe".
... ... E como eu sou um bocadinho chato no que respeita ao serviço em restaurantes... ... e tenho um historial de reclamações... ...esperava-se que eu reagisse ao mau serviço... só que não o fiz... e não o fiz porque cada vez que o empregado de mesa cometia um erro procurava de imediato corrigi-lo e compensar esse erro de alguma forma, nem que fosse com paleio. E essa atitude positiva é de louvar e é contrária às trombas com que os empregados habitualmente recebem as reclamações, que é o que me faz passar de alarme amarelo para alarme vermelho num segundo. Não admito que um empregado de mesa não atenda uma reclamação com lisura, respeito e interesse, afinal a culpa pode não ser dele mas seguramente não é do cliente.

Enfim, ambos os "Fixes" precisam de um «fix», é o que é!