quarta-feira, 6 de julho de 2011

Nobre - o cometa político

Fernando Nobre teve o primeiro efeito cometa da política portuguesa da minha geração. Tão depressa chegou como partiu.

Tal como um verdadeiro cometa, Nobre namorou um planeta socialista mas acabou por se aproximar demasiado do planeta social democrata, atraído pela sua "maior gravidade", esquecendo-se que os cometas são normalmente capturados e destruídos pela atmosfera desses planetas, mesmo que também eles sofram mossa e ganhem crateras na sua superfície.

Nobre aparece ou reaparece na cena política num momento delicado para o país. Surgiu no encalço de umas eleições onde o candidato de direita estava eleito, a esquerda não tinha alternativa e deixou o poeta-desastre finalmente candidatar-se para o queimar de uma vez por todas, um pouco o que tinham feito a Soares uns anos antes, pela mesma ocasião.

Por ter aparecido do nada político foi aclamado por uma faixa considerável da população jovem, principalmente de esquerda mas não exclusivamente, instruída, esclarecida e aborrecida com a política e com os políticos de então. Perdeu as eleições como era esperado mas ganhou credibilidade suficiente para se poder colocar no espaço de maior crescimento na política nacional - o da abstenção. E foi com esta não-derrota que Nobre (se) perdeu. Porque se esqueceu que quem votou nele o fez porque ele não pertencia ao mundo da política. E quando se alia a Pedro Passos Coelho e, principalmente, devido à forma como essa aliança foi comunicada, acabou por alienar completamente a sua base de apoio, quase levando com ele o próprio Passos. Aliás, não tivesse Passos uma conjuntura tão desequilibradamente favorável e a história seria outra.

Entretanto, os deputados profissionais, aqueles que não passam de yes men ou que estão há anos nas preguiçosas cadeiras da Assembleia e utilizam os partidos políticos como feudos, despeitados pela afronta de terem que se sujeitar a alguém que não utilizou habilidades nem escalou compadrios para chegar onde chegou, apressaram-se a capitalizar a evidente fragilidade de Nobre nos tortuosos caminhos da política bem como a dissonância da aliança vencedora das eleições no que à sua eleição dizia respeito e trucidaram-no completamente, num assassinato político de que não há memória em Portugal. A vingança serve-se fria, dirão os deputados do partido socialista. Eis a vingança como forma de fazer política e eis o magnífico exemplo que nos dão os nossos iluminados representantes! Até José Seguro, que não terá muita coisa de interesse para dizer, veio zurzir no defunto, por ter abandonado o seu posto de deputado.

Em virtude do comportamento da Assembleia, Nobre ficou sem opções. Ou se mantinha por lá a vegetar como boa parte dos seus (ex-)colegas sem que pudesse realmente ter um impacto onde quer que fosse ou se demitia. Demitiu-se e assumiu o único acto que, na minha opinião, lhe permitiu manter a dignidade, demonstrando que não era o dinheiro (ou a inexplicável pensão a que os políticos têm direito) que o movia a assumir o papel de deputado mas sim um espírito de missão. Missão essa que lhe não seria permitida pelo aparelho social-democrata. Quantos dos outros poderão bater com a mão no peito e afirmar o mesmo?

4 comentários:

Ana Clara disse...

Oh Bonito...espírito de missão foi aquilo que Nobre deixou de ter a partir de uma certa altura...esse espírito também tem de revelar convicções...e as deles andaram à deriva nos últimos anos...ora entre o BE e o PS ora acabando no PSD...

declaração de interesses: sempre gostei de Nobre, dou-me lindamente com ele, e lamento que o homem se tenha confundido no meio da classe podre.

Gelo disse...

Percebo o que dizes, mas não acredito em ideologias como religiões e as convicções fazem-se com ideias e pessoas. A ideologia por si só é estéril e está arredada dos partidos políticos. Quase me arriscava a dizer que até do partido comunista...

De qualquer modo, não pretendo endeusar o homem. Mas lá que me pareceu um acto honesto, lá isso...

Pedro Ferreira disse...

Talvez ande a acreditar pouco nas pessoas, mas penso que ele saiu do Parlamento para ir ganhar mais para outro lado (AMI?), e não por convicções.

Fercanito disse...

Para mim parece-me que teve o fim que merecia. Votei nele para a Presidência precisamente porque me parecia ser alguém alérgico a aparelhos politicos. Enganei-me, porque tropeçou na primeira pedra que lhe colocaram no caminho. Que continue por onde tem andado, mas já nem acredito que faça isso por dedicação aos mais necessitados.