sexta-feira, 13 de março de 2009

A Máscara - parte II

Porque é que as pessoas escrevem em blogs aquilo que não ousam dizer noutro contexto?

Acarinho a ideia de que os blogs tenham nascido como um “upgrade” tecnológico dos diários de papel, usados essencialmente por adolescentes do sexo feminino. Se não foi assim, penso que, pelo menos, se tenham disseminado pela mesma razão: a possibilidade de alguém se abrir ao exterior sem comprometer o seu 'eu' social, sem passar pelo crivo da censura, da frieza, da indiferença, da chacota e da estupidez dos outros que provavelmente resultaria de uma abertura real do nosso íntimo. Porque revela fraquezas, vulnerabilidades, que são exploradas pelos outros, ou assim o pensamos, de um modo que nos rebaixarão ou vexarão. Desta forma, é muito mais confortável abrirmo-nos ao mundo encobertos pela capa do anonimato, resguardados na segurança de um "nickname" que tanto nos pode descrever, como descrever um alter-ego ou alguém que nós gostaríamos de ser, com a vantagem adicional de termos a fantasia de que alguém está a ler o que escrevemos, o entende e se solidariza connosco. Alguém para além de nós. É esse o “upgrade” do diário de papel. Passamos do “one-on-one” fictício para um “one-to-many”.

Contudo, o anonimato de um blog é uma ilusão a partir do momento em que o divulgamos a um amigo. Esse é o momento em que passamos a pertencer ao universo global e deixamos para trás o nosso microcosmos. É o momento em que um post pessoal deixou de ser privado porque mais alguém tem acesso a ele. Alguém que nos conhece. Alguém que nos conhece e que conhece outras pessoas, que conhecem outras pessoas e, em poucas interacções, chegamos a alguém que conhece o Dalai Lama, o Barak Obama ou o Alberto João Jardim e podemos até interagir com eles. Os blogs deixaram de ser diários românticos onde alguém se expressa para uma proto-imagem de si próprio, alguém que nos compreende, para passarem a ser redes de contacto, redes de comunicação tentaculares que nos levam de um lado ao outro do planeta num infinitésimo de segundo, canais virtuais que levam o nosso ideário junto de outros onde pode ou não ser confrontado pelos outros, cada um interpretando-o à sua própria luz, produzindo reacções tão distintas quanto distintas forem as culturas, as vivências, as ideologias...

Quando se escreve num blog e se torna esse blog público está-se deliberadamente a aceitar que o mesmo seja sujeito ao escrutínio dos restantes. Diria mesmo que esse é o desejo impulsionador para a criação do blog. Mas ninguém nos garante que as respostas, a existir, serão tão cândidas quanto as do nosso 'eu' do diário de papel.

E isto pode acontecer no anonimato total do autor ou num anonimato parcial, sendo que será quase inevitável que aconteça no segundo caso. Principalmente, quando todos, por norma, flutuam debaixo do mesmo véu de obscuridade, agigantando-se de coragem por serem absolutamente invisíveis (É o mesmo fenómeno do condutor português ainda que com contornos menos obnóxios).

Por isso acho curioso que se verifiquem algumas coisas como:
- alguém ficar melindrado por causa de uma resposta a um post (que não seja ofensiva ou de educação duvidosa)
- alguém existir na blogosfera e ficar chocada com a interacção
- alguém criar um blog, divulgá-lo e depois ter medo de escrever nele para que ninguém a quem o divulgou perceba a que se refere.
- alguém escrever um post e não perceber que pode provocar uma reacção inesperada ou uma interpretação distinta.


Esta é a minha forma de ver este mundo. Não creio que esteja errada, mas já me enganei antes.


Deparei-me entretanto com outras formas, com outras existências, com outras máscaras que vêm o mesmo mundo de outra forma. Tanto ficam geladas comigo, como entram em ebulição.

De um modo ou de outro, para mim é sempre causa de degelo.

6 comentários:

PSousa disse...

Gostei, meu caro!
Clap, clap!

Anónimo disse...

Gostei desta parte... « alguém escrever um post e não perceber que pode provocar uma reacção inesperada ou uma interpretação distinta.»
Volto a salientar, GOSTEI MESMO! Não pelo conteúdo, mas pela piada do mesmo.
Gostei do blog, dos posts, das ideias... acho que voltarei. (Amei especialmente 'alguém escrever um post', não é o que fazem os bloggers?! Com direito de opção de aceitar ou não a perspectiva dos outros?!) Curioso este post... é por estas coisas que não me atrevo a permanecer BLOGGER!

:)))
Mimos. Mtos mimos para todos!

Gelo disse...

Apesar da ironia do comentário há um aspecto interessante que é o do "direito de opção de aceitar". E é interessante porque não percebi o seu alcance. Em lado nenhum me refiro ao cercear do direito individual do blogger. A minha opinião é a de que quem não quer comentários não os coloca activos. Muito simples, não? Eu aceito todos os comentários mas aprovo-os primeiro, não vá um mal-educado cometer a proeza de passar a linha do ofensivo (que para mim se resume a palavrões ou obscenidades não fundamentadas). Contudo, quem escreve um comentário deve estar consciente do impacto que pode ter num leitor casual, desde o nosso amigo que passa por aqui para dizer olá, até ao viajante que entrou por esta vereda por mero acaso. Esse impacto pode ser o esperado, mas também pode ser contrário ao esperado ou nem sequer estar relacionado, porque qualquer leitor vai ler o texto, primeiro tendo em conta a sua percepção, depois o contexto. É curioso como há pessoas que lêem posts e se identificam com eles, pensando que a escrita é para elas, quando nem sequer foram consideradas na sua génese...

Gelo disse...

outra curiosidade...: um blogger é apenas quem possui um blog, ou é quem escreve num blog (incluindo comentários) ou até quem apenas lê blogues?

Anónimo disse...

Eu não queria causar tanto impacto com o meu comentário. Não foi ironia, e já avançado na sua resposta parece-me que interpretou a minha opinião de modo muito familiar.
Não quero parecer-lhe inconveniente, embora hajam situações que me superam e relembram-me tempos (l)idos. No meu ex-blog, escrevi algo mto semelhante, devido a certas pessoas que usavam o espaço de comentários para salas de chat. Talvez por isso a minha curta vida por aqui esteja em fase terminal.
Entendo-a muito bem.
Com os melhores cumprimentos.

João

(n)Ana disse...

hoje estou muito pragmática...
Diria o que escrevo no blog em qualquer outro contexto... e apesar de cuidadosa q.b. com as parvoices que escrevo, não tenciono "nunca" chatear-me com bloguices..

Beijos!