segunda-feira, 10 de maio de 2010

A disfunção pública

Sei que é chover no molhado mas em 2010 a função pública continua com um nível de serviço apenas comparável ao da Zon - péssimo. Indecente, por se tratar de um serviço público.

Começa por ser indecente formatar as pessoas a pensar que se querem ser atendidas com alguma celeridade têm que ir dormir para a porta de entrada, encostadinhos a outros indivíduos, perfeitos desconhecidos, que também têm pressa, por alguma razão que só a eles diz respeito. Começa assim a formar-se uma fila com hora e meia de avanço, como se fosse a sopa dos pobres e não tivéssemos outra opção que não esta para comer uma refeição aceitável para sobreviver. Naturalmente, nem a sopa dos pobres deveria ser assim (confesso que não sei se é) mas quando as necessidades básicas apertam a muita gente ao mesmo tempo, até percebo que tal possa acontecer. Depois, as portas abrem e dá-se o corre corre para as senhas - graças a deus que as pessoas já ganharam o nível de civilidade suficiente para não se atropelarem umas às outras - e, recolhido o precioso ingresso para a satisfação das nossas necessidades burocráticas, resta-nos esperar pela nossa vez.


Cheguei em quarto lugar, deverão abrir uns quatro postos de atendimento, logo imagino que serei atendido em 15 minutos. Pura ilusão! Aguardo 50 minutos para ser atendido, apesar de ter sido a quarta pessoa a entrar numa sala, onde estão cinco balcões abertos. Não sei se porque os funcionários ainda não tinham tomado o seu café matinal, se por abrirem menos balcões que o costume, se porque o Benfica foi campeão e estão de ressaca, ou se a conversa casual não estava posta em dia. Posso dizer que testemunhei os dois últimos aspectos quando, finalmente, fui atendido. Aliás, testemunhei-os durante o atendimento.

Lá apareceu o meu número no visor electrónico, levantei-me e dirigi-me ao balcão 8, irritado mas também contido, porque se há coisa que eu aprendi é que não vale a pena exteriorizar essa irritação para os funcionários públicos porque eles não compreendem que estão a trabalhar para os outros, que deverão ser facilitadores da vida e do trabalho dos outros, não o oposto. É uma questão de educação/formação que ainda não está perfeitamente resolvida, ainda que a evolução seja notória, diga-se em abono da verdade.

De qualquer modo, o que acabou por ser mais irritante para mim foi ter a consciência de que fiz um esforço enorme para ser atendido rapidamente e, no fim, fiquei a ver as senhas de todos os outros assuntos a ser despachados à minha frente. Devo ter sido a vigésima pessoa a ser atendida!

Quando finalmente fui atendido, calhou-me em sorte uma senhora idosa, nem simpática nem antipática, que lá foi fazendo o seu serviço com toda a calma do mundo, tirando fotocópias, enganando-se duas vezes a imprimir os documentos, a falar com a chefe que, seguramente não teria muito que fazer e que saía da sua sala para beber água de uma garrafa estrategicamente colocada fora do seu gabinete, na parte mais afastada da sala, provavelmente para que pudesse fazer uns passeiozitos e ter umas conversas de alguidar com as subordinadas.

Enfim, em 15 minutos fui despachado e preparei-me para o próximo embate: uma chamada para o call-center do ministério das Finanças, serviço de apoio técnico, cuja função é ajudar os contribuintes a ultrapassar "pequenos" problemas técnicos, como por exemplo, a emissão de uma certidão. A grande vantagem dos Help-desks telefónicos é que são muito mais rápidos que o atendimento ao público, principalmente porque ali ninguém vai fazer comentários sobre o Benfica ou sobre aquela senhora que disse qualquer coisa e tal. A minha primeira experiência com este serviço, um mês antes, fora aterradora - uma manhã inteira a ligar para me desligarem constantemente o telefone, do outro lado, após alguns segundos. Contudo, a esperança é a última a morrer e até pode ter sido um dia particularmente infeliz, o outro.

Mas vamos ligar o número grátis o quanto antes, que as filas virtuais costumam ser tão grandes como as outras... 707206707, "carregue no 0 para maior facilidade" (o quê?!?!?!), "carregue no 1 por isto" e "carregue no 5 por aquilo".

Resultado: enganei-me e devo ter "discado" os números de um serviço de jukebox, ainda por cima estragado, porque começou a tocar um trecho das quatro estações de Vivaldi, ininterruptamente durante 25 minutos. No entanto, para não perder a vez na fila de entrada telefónica, mesmo não sabendo se também estava em quarto, como na Segurança Social, ou se estava em centésimo oitavo, lá fiquei a ouvir em modo repeat:



Eu que ando mortinho para que o sol volte rapidamente, já não podia ouvir as notas da Primavera de Vivaldi! Tanto tempo estive à espera que podia ter ouvido todas as estações e ainda alguns microclimas!

De tal forma já não esperava que um ser humano me atendesse o telefone que a minha primeira reacção quando a música se calou foi chegar à carteira para colocar mais moedas na jukebox...

E depois de tanto tempo esperar, há que dizer que o atendimento foi rápido, competente e atencioso. Percebo agora porque esteve tanto tempo à espera. Foi o tempo necessário à preparação de um atendimento altamente personalizado e eficaz.

Afinal essas coisas levam tempo, não é?

2 comentários:

Ana Clara disse...

Brilhante!

PSousa disse...

E devo dizer-te que a Zon melhorou muito... estão super-eficazes :)