quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

A Pessoa Honesta e o lodo mau

Porque é que uma Pessoa Honesta que se dedique à política acaba num político desonesto?

Será inevitável? Assim parece, afinal o propósito da política não é agregar consensos para beneficiar a maioria; é, isso sim, agregar consensos para beneficiar a minoria, a minoria dos que se dedicam a essa arte milenar que é a actividade política. Os outros são os cordeiros sacrificiais.

Uma Pessoa Honesta (daqui para a frente PH) que se comece a dedicar à actividade política passa por várias fases:

1ª) FASE DA ILUSÃO:
A PH filia-se num partido, cheia de sonhos e de ilusões e chega a uma posição de poder. O sonho passa por poder fazer algo que beneficie a Humanidade no seu todo ou, pelo menos, que possa melhorar as condições de vida de um segmento da população, abraçar ricos e pobres, diminuindo distâncias entre eles, desenvolver a região, modernizar a indústria, dinamizar o comércio, desenvolver novas tecnologias, de preferência aquelas que permitam ao município ou ao país entrar na corrida espacial com 1/100 dos custos e poder criar a primeira colónia em Titã, geminar o município com essa colónia e fomentar o comércio intergaláctico. No fundo, desenvolver uma onda imparável, uma espécie de utópica onda benfiquista, que nos leve directamente ao paraíso sem sair da Terra.

Nesta fase, a PH está de bem com todos, tem milhares, até mesmo centenas de ideias novas, altamente rentáveis, como é possível que ninguém se tenha lembrado disto antes? Todos dão palmadinhas nas costas, sorrisos abertos de confiança. Aqui apenas se vê a luz brilhante, ofuscante, no fim do túnel: é o futuro! Curiosamente, há uma outra situação em que isto também ocorre: quando morremos de forma traumática.

2ª) FASE DA DÚVIDA
Esta é a fase em que a PH começa a ter dúvidas porque está finalmente a perceber a razão de todos os sorrisos e as palmadinhas de mão aberta nas costas. Afinal, tratavam-se de pedintes - a mão aberta não era para dar palmadinhas, mas sim para receber alvíssaras; Os projectos e as ideias novas têm pequenos problemas que os tornam impraticáveis, como por exemplo, o sr. Alberto, que não pode ser importunado por um determinado assunto porque representa muitos votos, ou a menina Manuela porque se fosse obrigada a fazer algo ia logo mobilizar um movimento contrário aos interesses da PH. Repare-se na subtileza de colar os interesses à PH, interesses esses que, ainda há pouco tempo, na fase anterior, eram os interesses da Humanidade! Agora a PH tem que optar, tem que decidir sobre o que é melhor para alguém, ele já não sabe muito bem porque é que determinado grupo ou pessoa é importante, mas acredita na sua equipa de confiança, que o apoiou sempre na primeira fase e que, afinal, é a razão pela qual ele está ali. É assim... não era?

3ª) FASE DA DESILUSÃO
Como é que é possível isto ter chegado aqui? esta é a pergunta que a PH coloca a si próprio todos os dias, quando se levanta, antes de meter os pés dentro das pantufas. Começa a perceber que o ideal de ajudar o próximo e fomentar o desenvolvimento ou evolução não é próprio da política, antes pelo contrário, esta é um pântano lodoso que faz com que tudo e todos se afundem continuamente, mesmo que se afundem com um fato e gravata Armani, corte da moda, muito bem engomadinho. É agora que ele nota que a maior parte das acções, das medidas, das tarefas, das decisões já não estão sob a sua alçada, foram delegadas, ainda que seja ele, no fim, a dizer amen ou a assinar de cruz e a fazer grandes discursos sobre as virtudes, os benefícios e os beneméritos apoiantes de determinada política ou medida, com um foco especial nos beneméritos, porque afinal o importante não são as medidas, mas sim as pessoas! Foi por isso que a PH enveredou por este caminho, foi pelas pessoas. Mas fica sempre com a sensação que não eram estas as pessoas certas... enfim, deve ser do cansaço e da sensação irritante de estar a afundar no lodo.


4ª) FASE DO CONFORMISMO
É definitivo. A PH já não é honesta. Já não se sente honesta. O ar que respira parece-lhe fétido, engorda sem comer grande coisa, o cabelo branco substitui o outro do dia para a noite (ainda vive a breve ilusão do cabelo branco representar a honorabilidade dos anciãos). As pessoas com que se relaciona parecem escorregadias, ele próprio sente-se escorregadio e viscoso, principalmente porque foi nisso que se transformou. Já percebeu que foi enganado e que se deixou enganar. Também se apercebeu que é demasiado tarde para voltar para trás e então, ao invés de tentar sair do lodo, procura enterrar-se cada vez mais nele com a vergonha, na tentativa de que ninguém note o ser em que tornou.

5ª) FASE DA ACEITAÇÃO
Bom, aqui, é a fase em que se olha para trás e se diz: "Que se foda! A honestidade nem vale assim tanto, de certeza não vale tanto quanto o valor que eu recebo de reforma, as contas que tenho na Suiça e nas off-shores e os investimentos imobiliários na Quinta da Marinha ou no Vale do Lobo. De certeza que não vale os robalinhos frescos que me vieram aqui entregar ou a ajuda que eu posso dar à família, especialmente ao meu primo, taxista de profissão e que, pobre coitado, ainda seria moço de recados se não fosse eu. Depois há as viagens ao Brasil e que jeito dá esta dupla-nacionalidade! Ainda por cima, posso fazer o que eu quiser que hei-de ter sempre quem me defenda, ajude e oculte certos factos. Pudera!! Estamos todos no mesmo pântano! é tão fácil ocultar coisas por aqui..."

Claro que, nesta fase, "pântano" é o nome que se dá a uma praia tropical com um empregado particular a servir bebidas, marisco e a acender charutos cubanos.



E agora pergunto:
Será que vale a pena perder a honestidade para isto?
Gostaria de dizer "O juiz decide"... mas, aquele tipo deitado ali ao fundo, com a massagista é mesmo parecido com o juiz que absolveu a PH de alguns casos de corrupção, pedofilia, coacção, tráfico de influências, agressão e injúrias, por isso...
quem puder que decida por si próprio.

3 comentários:

Pedro Ferreira disse...

Grande desilusão que vai para aí!!
O texto é verdadeiro mas não é universal, porque muitas pessoas entram na política directamente para as fases finais, saltando a desilusão e indo directamente para o oportunismo!

Gelo disse...

Já nem chega a ser desilusão. É mesmo pena de que as coisas sejam assim e não de outro modo. Porque para ser desilusão era necessário que estivesse iludido e já não estou iludido há muito tempo.

De qualquer maneira, tens razão no teu comentário... há sempre quem salte à vara para chegar mais longe mais depressa e fazer um grande splash! no lodo :)

Sparkle disse...

Hum isso normalmente são as fases de um romance que corre mal... apaixonaste-te pela politica? Não sabes que ela é uma...