terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Divagação

"A história não é complicada, nem difícil de contar. É apenas mais uma onde a miséria e o instinto de sobrevivência conluiem para anular os escrúpulos de uma pessoa e anular a boa índole, tal como é socialmente definida, que ela não existiria se não existisse sociedade porque lhe retirávamos o objecto de acção e o adjectivo “boa” tornar-se-ia desnecessário."

Por vezes escrevo sem pensar e só depois fico a pensar no que escrevi.

Não deixa de ser curioso como a boa índole é um atributo atribuído ao indivíduo mas que fica descontextualizado fora do contexto da sociedade (entendida como um grupo de indivíduos). Não me parece que faça sentido caracterizar a índole se não numa perspectiva de relação com os outros, seja ela comparativa, agregadora ou disruptora. O mesmo parece acontecer com os outros atributos.

Generalizando, pode classificar-se um atributo de um indivíduo mas, para o caracterizar, para o adjectivar, é necessário que exista um termo de comparação abrangente e no caso do Ser Humano, o termo de comparação é a Humanidade ou a sociedade, para não utilizarmos a palavra Humanidade num assunto que não merece uma palavra de tamanha grandeza.

Uma comparação feita contra o universo global, diz-nos a estatística, terá um valor também ele global e uma comparação entre dois indivíduos pecará por ser redutora: o Horácio poderá ter melhor índole que o Firmino e, ainda assim, ser uma pessoa terrível, porque todas as pessoas restantes poderão ser melhores.

Esta obsessão de nos compararmos e a forma como o fazemos tem uma curiosidade - permite que sobressaiam os extremos, os positivos e os negativos, aqueles a quem apelidamos de génios ou facínoras, o pólo onde se encontram é, habitualmente, mais uma questão de perspectiva ou oportunidade do que outra coisa, mas esse é um outro assunto.

Curiosamente parece-me que o mesmo fenómeno tem um efeito perverso, porque se nos comparamos sempre à média estamos a coarctar a nossa capacidade de desenvolvimento e, por inerência, de toda a sociedade. Além disso, acontece que muitas vezes não suportamos esses mesmos génios, chegamos a destruí-los, por não conseguirmos enfrentar a nossa incompetência. A mediocridade é uma força poderosa porque tem o poder da média. A inteligência é fraca porque tem a fraqueza do pedestal. Ambos têm poder construtivo e destrutivo. Então porque é o poder destrutivo aquele que é utilizado sem parcimónia e só a espaços se constrói? Apenas porque requer menos esforço. Um "não" encerra mil palavras e um "porquê" levanta 5000 questões!

Não seria melhor compararmo-nos com quem percebemos ser melhor do que nós? Não faria mais sentido que, após identificar os génios, estabelecêssemos um novo padrão, acima do anterior, com os quais a comparação identificasse discrepâncias que teriam que ser trabalhadas para elevar o termo de comparação médio? Chama-se a isto crescimento sustentado.

Porque continuamos aos solavancos?

2 comentários:

Sparkle disse...

Divagando sobre a divagação:
O que importa não é o contexto, mas sim a INTENÇÃO inicial, só por aí se reconhece a verdadeira índole… e isso é independente do que projectas nos outros.
Para além disso, e respeitante à necessidade de comparação, ela existe porque tu só podes reconhecer a luz por oposição à escuridão, o prazer por oposição à dor… e por aí fora.
Há um filme fabuloso (não no sentido Hollywodesco da coisa) sobre a destruição dos génios e a incapacidade de enfrentar a nossa “incapacidade” chama-se Matéria Negra e é baseado numa historia verídica.
De resto a inteligência é forte, quando não usamos só a mental. O pedestal é o ego, e esse sim quando insufla… não deixa de ser só ar, leva-nos alto mas quando aterramos…
Compararmo-nos a quem percebemos ser melhor que nós é algo, na minha humilde opinião, óptimo, porque nos faz desenvolver e evoluir, seja em que dimensão for, mas há uma dualidade importante, ninguém pode aprender sem ensinar, numa espécie de modelos-reflexo uns dos outros.
Os solavancos são só o inicio… mas o motor já está a funcionar ;)

PSousa disse...

E de repente, estabilizo... a ler este teu escrito...
Porque segues o teu caminho... sem comparações e sem temores (pelo menos demonstrados)... é que te considero um Amigo úníco... Ímpar! Um Gelo que dificilmente se derrete... ao contrário de outros (lá vem a tal comparação) que se derretem por tudo e por nada...

Abraço