sábado, 3 de dezembro de 2011

A abstenção

O Partido Socialista absteve-se na votação do orçamento na Assembleia da República, tal como o Partido Social Democrata havia feito quando os papéis estavam invertidos. Aliás, a abstenção nas votações da Assembleia têm sido frequentes sempre que se pretende não votar contra. A tirania dos partidos a isso obriga e é voz comum fazer declarações de voto e outras palermices quando se vota contra o que se pensa ou se quer defender, ou se vota contra a indicação de voto partidária.

Isto dá-nos que pensar. Isto devia dar-nos que pensar!

Quem quer que seja eleito para a Assembleia da República, está a ser eleito com os votos dos cidadãos portugueses, cidadãos esses que têm um conjunto de ideais, interesses, preocupações e desejos. Teoricamente, enquanto representantes dos portugueses e, descontando o facto de poderem representar todos os portugueses ou apenas uma parte, será legítimo a um político abster-se de decidir sobre um tema, seja ele qual for?

É uma aberração um político abster-se seja no que for. É o mesmo que um pescador se abster de pescar porque não sabe se há-de pescar carapau ou sardinha, um gestor se abster de gerir a empresa porque não sabe se vai vender mais ou menos ou um construtor civil se abster de acabar a construção de uma casa porque não sabe se há-de colocar um telhado de zinco ou telha de barro.

Não escolhemos políticos para que estes se abstenham de tomar decisões, mesmo que nós próprios o pudéssemos fazer por ignorância ou por incapacidade se tal nos fosse solicitado. Nós escolhemos os políticos para que possam tomar as decisões por nós, no melhor dos nossos interesses, ou da forma como os nossos interesses são percebidos pelo político. Ser deputado é um ofício, não um prémio! Por isso, quando um político se abstém numa votação, está-se a abster da responsabilidade que tem para connosco, os seus eleitores. E isso é imperdoável e deveria dar lugar a despedimento com justa causa, que é o que acontece no sector privado a alguém que, sendo pago para decidir, se recuse a fazê-lo.

Também por isso, muito me espanta que em altura de eleições os políticos venham pedir ao povo que não se abstenha, que vá votar, exercer o seu dever (direito) de cidadania! A desfaçatez!

Na verdade, nada do que disse me espanta realmente. Não espero que flores perfumadas nasçam numa lixeira. E o perfume das que nasceram nos canos das armas foi demasiado efémero.